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31 de dezembro de 2013

Poema "cheguei à ilha", de Francisco Nunes

Filed under: confissão,mar,memória,morte,poesia,solidão,vida — vergaranunes @ 16:51

O poema cheguei à ilha, de meu irmão Francisco Nunes foi o vencedor do I Concurso Internacional de Poesia da ALACIB (Academia de Letras e Ciências Brasil), PRÊMIO CREUSA CAVALCANTI FRANÇA, CATEGORIA ADULTO, concorrendo com cerca de mil outros inscritos de vários países. Em março de 2014 será a entrega dos prêmios em Mariana (MG).

cheguei à ilha

I
O pé na água. Fria.
A areia. Caminho. Dois passos apenas. Os primeiros.
O barco já se vai. Muito rápido. Como que
arrependido de ter vindo. Como eu. Talvez.
II
O Sol brilha na espuma muito branca
da onda outra onda outra onda
que chega à praia, molham-me,
ainda na água. Dois passos apenas.
E a água já os apagou. Já não sou. Já não cheguei.
III
À direita, rochas, molhadas e secas,
algas, pequenas piscinas, peixinhos aprisionados.
À esquerda, a areia como sem fim, sem pegadas,
lambida pelo mar
brilhando diamantes sem valor ao Sol.
Coqueiros, árvores, nuvens, mar.
A eternidade se derrama na praia. Cansada.
À frente, a areia branca forma uma sala
de árvores grandes na parede;
no meio delas, uma trilha impassada
sobe um morro lá acima visto,
sombrio, enegrecido de um mistério,
pássaros rapinando o guardam.
Em mim, solidão,
uma mochila vazia às costas,
os pés na água
e o frio e o silêncio só das ondas
e a cor do céu borrado de nuvens
e o barco que já foi
e os passos que já foram.
E eu.
IV
o tempo não existe quando não é medido
quando não sei o que é quando
não há marcas sinais pontuação
só um passar e outro
como as ondas ali
que são as mesmas sendo sempre outras
e as nuvens desaparecem voltam as mesmas-diferentes
a imprecisão dos pensamentos que nunca somem
vão retornam são mudam insanos inlúcidos transparentes avessos
e sei ou talvez só imagine que já é outro(s) dia
pois o sol se foi quando não vi
a luz iluminou o que não vi
nasceu outro dia no dia anterior
e nada é mais o que é hoje
o tempo na ilha é a própria ilha
V
O pássaro ferido na areia branca
manchou a areia com seu sangue vermelho
a onda verdazul lavou a areia
e levou o pássaro
que não sabia nadar.
De ferido não sabia voar.
O mar não perdoa e a areia não tem memória.
VI
Caminho sem extensão pela areia à esquerda,
longe da sala-de-árvores.
Há um temor estranho por me afastar
pela primeira vez
(mas não sei o tempo nem o ontem)
do ninho seguro, o recanto,
o onde sou-na-ilha.
Caminho.
Cada passo já não é — os deixo
onde as ondas possam carregá-los,
feridos como o pássaro,
não sabem voar nem nadar.
Afogam-se e já são apenas outrora.
Desfaço-me em cada passo de meu passado,
aquele que não tenho,
que ainda vou viver, mas não o quis,
na estranha certeza de que há mais de outra em mim
e de que não nos encontramos ainda.
Talvez eu esteja caminhando até ela,
mas tenho medo de prosseguir.
Aqui, entre céu, palmeiras e água,
ondas mais bravias,
desisto da loucura,
corro corro corro
de volta ao escondido.
Segura, enfim.
VII
O mar devolveu o pássaro
morto
à praia.
Apodrecido.
VIII
A noite está escura. A Lua foi devorada por nuvens escuras.
O mundo todo desapareceu.
Não quis acender a fogueira. Quero a inexistência do que não posso ver
oculto pela escuridão.
O mar está silencioso, como se não.
As árvores não sussurram seu raspar de folhas.
Nenhum dos animais, nem a fera, ruge, pia, chora, gargalha.
A noite está escura.
Meus olhos se fecham. E tudo brilha.
IX
Não é solidão eu estar aqui sem mais ninguém
no imenso mar a minha frente
a meu redor
a única no imenso mar
sem ondas transparente morno silencioso.
Sou sua única mancha, uma nódoa flutuante,
como foi antes o pássaro morto,
mas estou viva. Penso.
X
Minhas pegadas nas areias saem de mim
e voltam para mim. Eu me trago a mim mesma
todos os dias, para me apresentar,
tentar ser minha amiga — ainda que não confie
não me sinta à vontade. É estranho
alguém tão estranho, solitária morna silenciosa
opaca.
Não me conheço os olhos, não me encara,
como se tivesse medo de mim, de eu a transparecer,
de sondar-lhe o mistério de ser quem é
ou de ter sido.
Sentamo-nos as duas, lado a lado, ao crepitar da fogueira,
em cúmplice e desconfortável silêncio. Como um estrondo.
A fogueira morre. Ainda estamos aqui. Só eu.
XI
sonhei de novo que eu estava num deserto
vasto azulado
rasgado por um fio dágua
e que a água ia se transformando em leite ou sangue
e meus pés se banhavam nela doloridos
o rio me tingia com sua cor eram cores
e ia me transformando em um pássaro imenso assustado
frágil como um suspiro de saudade com sua dor
e o mar chegava até meus joelhos gélido
o pássaro morto na areia a água levava
e ele sumindo sendo feito parte da água
no deserto
acordo. de novo
XII
Escutei uma música no ar. Acompanhada de perfumes. Tudo sibilante
rompendo a manhã,
fazendo-me uma estranha companhia. Uma invasão, uma avalanche,
um chamado. Um brado.
Não sei de onde vem. Está por toda parte,
na minha pele, molhada do mar,
luzindo como uns pequenos olhos curiosos,
sondando-me, ecoando dentro de mim,
revirando uns quartos escuros, lembranças do que nunca fiz,
mais notas, mais aromas.
A música me envolve, tomando forma,
soprando uma voz que não era minha, mas saía de outra eu,
acusando-me de ter fugido,
batendo em meu rosto com raiva,
um compasso firme, marcial, de marcha para o cadafalso,
o aroma queimado, flores pisoteadas pelo
caminho. Caminho.
Fujo. Quero correr para um não-lugar,
um distante de mim, ausente de eu ser,
mas a música segue, altitrovejante,
grudada em minhas carnes,
se enroscando em minhas pernas, me derruba
e a onda molha meu rosto, algas no meu cabelo,
a música vindo em ondas, e também nas outras,
e o perfume, agora de uma doce acidez,
revira minhas entrahas, arde,
queima a mão debaixo dágua,
arranca um grito com sangue:
– Eu fui! Eu era, mas não escolhi! Eu fui ela!
E a música cessou. O perfume morreu. As ondas se foram. O tempo
voltou a estagnar. Meu coração
sentia a extravagância da paz de novo.
Finalmente, eu.
I
O pé na areia. Fria.
A água. Caminho. Dois passos apenas. Os últimos.
O barco já se vai. Muito rápido. Como que
arrependido de ter partido. Como eu. Talvez.
(scs, 1313)
Original em: http://xn.blog.br/?p=1523

18 de dezembro de 2013

Pontos a serem contemplados no Programa "São Paulo mais Inclusiva"

Filed under: Uncategorized — vergaranunes @ 10:57

Recebi por e-mail e divulgo aqui.
elton

Excelentíssimo Prefeito de São Paulo
Dr. FERNANDO HADDAD

Excelentíssima Secretária Municipal
Dra. MARIANNE PINOTTI

Secretários e Instâncias Municipais vinculadas ao Programa “SÃO PAULO MAIS INCLUSIVA”

Prezados senhores

O Movimento Cidade para Todos, com representação nacional, composto por indivíduos com e sem deficiência, independentes, não institucionalizados, atuando pela plena inclusão e acessibilidade de pessoas com deficiência a todos os bens, produtos e serviços oferecidos em sociedade, presente no lançamento do plano São Paulo Mais Inclusiva, no último dia 13 de dezembro, vem destacar, sugerir e questionar alguns importantes pontos do projeto:

1 – Foi salutar constatarmos que o plano não envolve apenas a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, incluindo uma série de outras secretarias municipais estratégicas. Afinal, sabemos que a acessibilidade é um conceito universal e deve abranger todos os cidadãos em todos os setores sociais.

2 – Sobre a ação de acessibilidade para pessoas com deficiência visual nas bibliotecas, por meio de scanners com voz, uma importante e inédita iniciativa, lembramos que não foi sequer mencionada durante a apresentação da secretária Marianne, embora tenha sido destacada em banner à entrada do evento. Perguntamos: como se dará essa acessibilização e qual seria a logística de implementação? Sugerimos que todas as cerca de 60 bibliotecas convencionais sejam atendidas, incluindo-se também os cerca de 60 CEUS – Centros Educacionais Unificados, mais periféricos e necessitados.

3 – Sobre a ação dos 125 semáforos sonoros, questionamos: por que 125 equipamentos? Como chegou-se a este número? Quem escolheu esses locais? Quem, na prefeitura, define onde os cegos podem transitar? A prefeitura anuncia que vai modernizar 3000 semáforos da cidade. Acreditamos que todos os 3000 equipamentos a serem modernizados devam, obrigatoriamente, receber a sonorização. Além disso, a CET deve atender às solicitações extras dos interessados, conforme Art. 17 do Decreto Federal 5.296/04.

4 – Sobre a ação de acessibilidade em 100% dos ônibus, perguntamos: o conceito de Desenho Universal está sendo observado? Pessoas cegas e com baixa visão também precisam transitar, embarcando e desembarcando dos ônibus com independência, autonomia e segurança. Essa população será incluída também?

Plataformas elevatórias e rampas são importantes, mas não atendem a todos. Sugerimos a implementação de equipamentos de informação que auxiliem a pessoa cega a utilizar-se do sistema com dinamismo, assim como todos os outros usuários.

5 – Sobre a ação de acessibilidade em 5% das unidades habitacionais, questionamos novamente: como chegou-se a este número? Quem definiu isso? A acessibilidade é um conceito que abrange também quem não tem deficiência; afinal, mais cedo ou mais tarde, todas as pessoas vão precisar dela. Sugerimos o Desenho Universal como balizador da construção de todas as unidades, pois implementado desde o início, o custo será diluído no decorrer da obra, evitando gastos altíssimos com adaptações posteriores.

É de suma importância salientarmos que é a pessoa com deficiência quem sempre deve ser ouvida na elaboração de projetos públicos e não apenas aqueles que se autodenominam seus representantes por meio de instituições, prática que tem trazido alguns desastrosos equívocos à Administração Pública.

Por fim, esclarecemos que nosso Movimento será um ferrenho e incansável fiscal da implementação desse plano e, desde já, colocamo-nos à disposição da prefeitura e da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, objetivando auxiliarmos naquilo que for preciso para que essas intenções se tornem realidade, beneficiando, além das pessoas com deficiência, todos os habitantes da cidade de São Paulo e com salutares reflexos por todo o país.

São Paulo, 17 de dezembro de 2013

Atenciosamente

MOVIMENTO CIDADE PARA TODOS

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