Compartilhando

4 de setembro de 2013

Editoras Cia. das Letras, Contexto e Gen levam leitor cego ao STF

O post abaixo está originalmente no blog Outros Olhares. Aborda a questão publicada aqui, em que se denunciam as artimanhas das editoras para evitar que as pessoas cegas possam comprar livros. Absurdo? Sim, absurdo! Mas verdade, verdade brasileira. As editoras preferem não vender livros a reconhecer o direito das pessoas cegas à escolha. Preferem curvar-se a articulações de fundações e interesses mesquinhos de grupos que usam as pessoas com deficiência para jogos políticos (e, claro, de ganhos pe$$oai$). 
elton


Durou pouco a imensa alegria pela vitória do psicólogo Naziberto Lopes de Oliveira, 47 anos, cego, que conseguiu em fevereiro na Justiça, em segunda instância e ao final de um processo que durou seis anos, o direito de comprar o formato acessível de qualquer livro publicado pelas editoras Companhia das Letras, Contexto e Gen. As três recorreram da sentença para levar o caso ao Supremo Tribunal Federal e ao Supremo Tribunal de Justiça. A alegação? Pasmem: inconstitucionalidade! 

Passado o choque inicial provocado por tamanho empenho destas editoras em negar a uma pessoa cega um direito básico, o da leitura, quem está ligado ao meio conclui que, de certa forma, acaba sendo até bom, porque levanta a ponta do tapete e joga um holofote sobre importantes questões que envolvem a regulamentação, a produção, a distribuição e a comercialização do livro acessível no Brasil e que agora, quem sabe, consigam ultrapassar um pouco as enormes muralhas que ainda separam a deficiência visual – e todas as outras – da sociedade.

Contei o caso a uma amiga jornalista, leiga no assunto. Antes que ficasse absolutamente indignada com a história toda, precisou entender que um cego também é um leitor e não apenas de livros em braille ou daqueles gravados por locutores em instituições. Ficou surpresa, assim como a maioria das pessoas, com a existência de programas de computador, chamados leitores de tela, que transformam qualquer texto em áudio – uma voz sintetizada lê tudo o que está na tela para quem não vê. Os formatos digitais acessíveis dos livros são, então, o pdf, o txt e o doc, que os cegos deveriam poder comprar livremente das editoras, como aqueles que enxergam fazem em qualquer livraria física ou virtual do planeta. Importante lembrar que os três formatos acessíveis já estão prontos, o que significa que não há nenhum custo adicional nem qualquer alteração no processo de produção.

Por que, então, a árdua luta na Justiça pela garantia à acessibilidade? Mais: por que a continuidade do processo, para que seja levado agora a última instância? No frigir dos ovos, e haja ovo para frigir, a resposta é uma só: porque não há nenhum interesse e nenhum movimento de mais ninguém para que seja diferente. Que me desculpem a franqueza, mas os cegos, os maiores interessados, e que juntos são os únicos que poderiam fazer ruir toda a estrutura que impede um direito fundamental como a acessibilidade, quase nada fazem de concreto. E não falo dos cegos pobres, sem instrução, isolados em suas casas na periferia, ouvindo rádio o dia todo. Falo dos muitos e muitos cegos com formação superior, que trabalham, têm plena consciência de seus direitos, todos articulados e politizados, enchendo as redes sociais e os fóruns virtuais com belas frases e longos textos, com fortes e bem embasadas opiniões sobre tudo, do governo Dilma à PLAYBOY da atriz Nanda Costa. Os mesmos que ficam calados diante do vergonhoso monopólio do livro acessível no país, exercido por uma grande instituição paulistana de atendimento à pessoa com deficiência visual, do eficiente lobby que faz junto a editoras e ao governo e que garante, por exemplo, a imutável lei que restringe a produção dos livros acessíveis a entidades sem fins lucrativos. 

Mais uma perguntinha que não quer calar e que ainda deverá ser feita por muita gente: onde estão nessa hora as organizações e órgãos do governo responsáveis pela defesa dos direitos das pessoas com deficiência? Até onde sei, Naziberto luta pelo verdadeiro livro acessível no Brasil há quase uma década e absolutamente sozinho. Ouvi-lo, conhecer sua história, é emocionar-se com a coragem, com a dignidade, com a garra de seguir em frente e durante tanto tempo em nome de uma causa, enfrentando gente inescrupulosa que lucra e muito com a exclusão dos cegos ou humilhantes e sucessivos “*nãos*”, seja em projetos inclusivos apresentados ao governo, seja de várias editoras quando quer comprar livros. Agora, recomeça a luta, com o desgaste e as despesas que vêm com a continuidade do processo: um advogado em São Paulo, outro em Brasília, idas e vindas a cartórios, fóruns etc. Fora que, se conseguiu uma vitória em segunda instância, foi somente porque contratou advogados especializados nos direitos das pessoas com deficiência. Fica a dica. 

Quanto às editoras Companhia das Letras, Contexto e Gen, não sei o que andaram ouvindo em telefonemas, almoços e reuniões, mas, senhores, tenham a mais absoluta certeza de que cegos não mordem, querem apenas exercer seus direitos como cidadãos e consumidores e comprar os livros que quiserem, das editoras que quiserem e quando quiserem, demanda esta, aliás, impossível de ser atendida pelas instituições. Vejam que os cegos querem comprar, não ganhar livros. Porque, ao contrário do que muita gente acredita, caridade e gratuidade nada têm a ver com inclusão nem com acessibilidade. Os senhores podem alegar o que quiserem: inconstitucionalidade, ilegalidade e o que mais encontrarem em brechas jurídicas e pareceres técnicos. Não existe argumento que impeça o acesso de qualquer pessoa, cega ou não, à leitura de um livro, que não seja absolutamente excludente, antiético, injusto. E certamente esta atitude lamentável fará com que percam muitos leitores fiéis a suas publicações. 

O mais importante é que a vitória de Naziberto neste processo será a vitória de todos os cegos, de todos os que são solidários a esta causa e de toda uma sociedade que pretende ser mais igualitária e verdadeiramente inclusiva. Sua derrota também será a derrota de todos nós e eis, neste episódio, um bom termômetro da evolução social deste país.

twitter: OutrosOlharesAD 

28 de junho de 2013

Tratado de Marrakesh, alguém falando do que se trata

Compartilho com vocês uma denúncia de uma pessoa que sabe sobre o que está falando.

elton

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Bom, ao menos a Folha, nesse artigo minúsculo que colo abaixo, está trazendo alguma coisa sobre o que se trata o tal tratado internacional de Marrakesh, pois até agora por aqui só rolaram comemorações efusivas e suspeitas de instituições que desejam tanto a autonomia e independência da leitura para as pessoas cegas no Brasil tanto quanto os mensaleiros do Congresso Nacional devem desejam uma justiça rápida, ágil e forte.
Mas agora, com essa pequena luz dada sobre o assunto, podemos perceber do que se trata o tal engodo. Na verdade, uma proposta feita por Brasil, Equador e Paraguai, de estender a isenção da Lei dos Direitos Autorais que temos no Brasil e mais outros 46 países, para os outros países envolvidos no acordo, ou seja, uma bela e redundante mesmice.
Vejamos: A Lei de Direitos Autorais no Brasil já prevê desde 1998, em seu artigo 46, Inciso I, alínea d, a possibilidade de reprodução de obras em formato braile, entre outros, desde que seja por instituições “sem fins lucrativos” (eu coloquei sem fins lucrativos entre parêntesis, ok?).
E com isso, todos nós sabemos como vai o acesso aos livros pelas pessoas cegas no Brasil, uma lástima, um atraso abissal, um zero a esquerda, pois podemos ler apenas aquilo que os “donos dos cegos” produzem, um índice de leitura igualável apenas aos dos homens da Idade Média, que podiam ler somente os livros que os religiosos, donos do saber de Deus, permitiam.
Pessoas cegas no Brasil não podem comprar livros acessíveis em livrarias, sebos, bookstores, como qualquer outra pessoa. Pessoas cegas no Brasil precisam esmolar livros em instituições, precisam se humilhar diante dessas instituições apresentando documentos, declarações, atestados assinados em cartórios, precisam ser registrados, catalogados, rotulados, se quiserem ganhar um livrinho após um ou mais anos na fila de espera.
E tudo isso reforçado por uma lei atrasada, retrógrada, que prevê apenas a exceção, a gratuidade, o donativo, a esmola, sem estimular, sem promover, sem proporcionar com que o mercado editorial possa fazer a regra, fazer para as pessoas cegas o mesmo que faz para o restante dos leitores não cegos, ou seja, ter lucro, poder vender livros em formatos acessíveis para aqueles que não precisam da caridade assistencial.
E aos ceguinhos incautos, que por essas listas da internet estão comemorando e que não conhecem a tal organização de cegos, organização que defende a continuidade daquilo que já existe, isto é, a pessoa cega dependente da leitura que uma fundação para cegos em São Paulo produz, eu expresso o mais profundo voto de pesar; meus pêsames amigos.
A propósito, sabem quando vocês terão direito de ler o livro que quiserem, no momento que desejarem ou que precisarem para seus estudos, lazer, trabalho, desenvolvimento pessoal e intelectual? Quando a tal organização de cegos que defende os interesses da tal fundação para cegos de São Paulo quiser!
E nós, brasileiros, continuamos a espera de conhecermos o conteúdo de um texto que está sendo discutido há cinco anos, que define rumos para nossa vida enquanto leitores, e que até agora desconhecemos totalmente.
Fiquem com o pequeno artigo da folha de São Paulo de hoje (28/6/2013):
Brasil assina tratado que libera cobrança de livros em braile
DE SÃO PAULO – Deve ser assinado hoje em Marrakesh, no Marrocos, um tratado internacional que isenta as obras vertidas ao braile de pagar direitos autorais. A proposta, baseada na lei brasileira e nas de outros 46 países, foi apresentada por Brasil, Equador e Paraguai.
O ato faz parte de uma conferência da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, formada por 186 países, iniciada no último dia 17. A ministra da Cultura, Marta Suplicy, representa o país no evento.
Para ser aprovado, o tratado precisa de 20 assinaturas — a serem ratificadas em seus próprios países. Estima-se que menos de 5% das obras estejam em formato acessível.
.
Abs.
Naziberto Lopes
MOLLA – Movimento pelo Livro e Leitura Acessíveis no Brasil

(Reproduzido aqui com autorização do autor.)

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